Recentemente, no fórum do Conteudoescola, o leitor Cesar Veras sugeriu uma discussão interessante: é conveniente a introdução do estudo do Direito no ensino Fundamental? (veja a pergunta no fórum clicando aqui). O questionamento me surpreendeu, pois esse é um tema que considero importantíssimo. Mais do que uma simples pergunta, tal indagação nos faz pensar sobre o próprio papel da Educação. Pra que serve a escola? Ou pra que deveria servir?
As modernas teorias pedagógicas pregam que a escola deve, acima de tudo, preparar as pessoas para a vida, para o convívio em sociedade. Assim, por exemplo, aprendemos na escola a língua portuguesa porque ela é necessária pra a comunicação, para o trabalho, para nossa identidade cultural. Aprendemos conceitos elementares de matemática para podermos gerenciar nossas finanças pessoais, entender o sistema de preços da economia de mercado na qual todos estamos inseridos. Da mesma forma, a Geografia nos ensina, nos bancos escolares, como é o meio em que vivemos, as características do ambiente, a dimensão física e humana de nosso mundo, assim como a disciplina História nos mostra o nexo de causalidade entre os fatos históricos, nos ajudando a entender porque o mundo é do jeito que é e como poderá ser no futuro.
Nesse sentido também está a legislação, como demonstra a leitura do artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases -LDB (lei 9394/96):
A preocupação do leitor, diante dessa perspectiva educacional, é relevante. Afinal, se a função da escola é formar cidadãos, e se ser cidadão é, entre outras coisas, ter direitos e obrigações igualitariamente perante os outros, parece fundamental que o conhecimento sobre quais são os direitos e obrigações do cidadão seja efetivamente ensinado nas instituições de ensino básico.
Todos as pessoas, antes mesmo de nascerem, já estão sujeitas ao poder do Estado. E, ao longo da vida, dessa sujeição não se pode escapar: saindo de um país, automaticamente se sujeita às leis vigentes no outro. Isso sem falar das normas internacionais, cada vez mais comuns. A obediência a uma ordem legal estatal é, portanto, algo que acompanha o ser humano desde o início de sua vida. E sua importância só tende a aumentar, principalmente na idade adulta. Para que esse poder soberano não se transforme em tirania, como nos prova a história, é fundamental que todos os cidadãos participem da gestão do Estado. E, para que essa participação possa ser possível, é necessário, ao menos, o conhecimento básico sobre o funcionamento do aparato estatal, sobre a elaboração de leis, o que confere sua legitimidade, e por que devemos obedecê-as.
Hoje em dia, qualquer aluno de uma escola particular de ensino médio egressa da instituição sabendo fazer uma complexa conta de logaritmo. Mas será que ele sabe o que pode e o que não pode fazer um policial quando aborda uma pessoa na rua? Quais impostos uma pessoa deve pagar e por quê, quais são os seu direitos fundamentais, por que eles são chamados de “fundamentais” e como eles foram conquistados? A diferença entre a função do deputado, senador, ministro e presidente, o que é obrigação do prefeito e o que é obrigação do governador? Será que o aluno sabe que não socorrer uma pessoa em necessidade é crime? Acredito que não. E talvez eu até esteja enganado, mas me parece que essas coisas sejam mais importantes para a vida de uma pessoa do que o domínio pleno daquela operação matemática.
O destaque à importância da matéria, contudo, não deve ser interpretada necessariamente como uma defesa a uma nova disciplina no ensino básico, com currículo, aulas e professores próprios. Tal conteúdo, de suma importância, como se disse acima, poderia permear melhor todas as já existentes disciplinas da educação básica, por meio dos chamados Temas Transversais. Estes, alías, já tratam, ainda que superficialmente, do assunto, principalmente no módulo Ética. Mas ainda há dois problemas com relação a essa abordagem dos temas transversais. O primeiro, diz respeito à superficialidade com que o assunto Direito é tratado, não dando a importância merecida. Já o segundo, à sensação de facultatividade que tais temas deixam transparecer, como se fossem complementos supérfluos ao currículo obrigatório da escola – diga-se de passagem aquele que é cobrado no vestibular.
Nas escolas de “antigamente”, havia uma disciplina dedicada a esse tipo de assunto – Educação Moral e Cívica – cujo modo de ministrar sempre foi ruim quanto aos conteúdos e precário quanto ao desempenho dos professores. Nos anos 50, era considerada disciplina de segunda categoria no “Curso Ginasial” e no “Colegial/Científico”. A ditadura militar de 64 nos brindou com um novo formato para a disciplina, adequado para acomodar os “princípios ideológicos da revolução redentora”, e a essa matéria deu-se o nome de “Estudos de Problemas Brasileiros”. Não havia, certamente, nas escolas brasileiras, quem não associasse os “Estudos de Problemas Brasileiros” à figura trágica da ditadura militar e seus preceitos engessados de cidadania. Assim, de um lado, considerada disciplina de segunda categoria, e de outro, filhote da ditadura militar, a matéria acabou se extinguindo e seu conteúdo se perdeu.
Provavelmente não seja o caso de ressuscitar a velha “Educação Moral e Cívica”, mesmo reciclada e adequada aos novos tempos de democracia formal no Brasil. Isso seria, pois, um grande anacronismo. Mas, com certeza, é imprescindível um maior cuidado e dedicação dos educadores com relação ao tema do Direito, tão necessário para a formação dos cidadãos de amanhã.
Deixe aqui umcomentário.